Nascem cada vez menos crianças no distrito de Bragança e a crise acentuou-se desde a pandemia

Ao longo da última década têm nascido cada vez menos crianças no distrito de Bragança e a tendência acentuou-se desde a pandemia de Covid-19, em 2020.
De acordo com os números de testes do pezinho feitos pelo Instituto de Saúde Dr. Ricardo Jorge, o ano de 2024 foi aquele em que se registaram menos crianças no distrito de Bragança, apenas 494. Mas o número tem estado em queda desde 2015 (o Mensageiro analisou os relatórios dos últimos dez anos), ano em que houve 612 testes realizados no distrito de Bragança.
Para o sociólogo Henrique Ferreira, este fenómeno é especialmente preocupante para uma região como o Nordeste Transmontano, que em 40 anos pode chegar aos zero nascimentos.
“Os dados apresentados anunciam a morte demográfica do Distrito de Bragança no horizonte temporal de 40 anos. Ou seja, em 40 anos, se os números se mantiverem, estaremos em zero nascimentos. Precisamos de 1500 nascimentos por ano para começar a renovar e a fazer crescer a população face ao elevado número de mortes nas coortes adulta e sénior e face à elevada diáspora da população jovem. Isto também porque, entre nós, a população imigrante não é grande e, por isso, contribui com apenas 10% dos nascimentos”, frisa Henrique Ferreira.
O sociólogo sublinha que “todas as sociedades humanas do planeta Terra foram envelhecendo e perdendo população jovem nas regiões menos industrializadas e menos terciarizadas”. “A industrialização trouxe a terciarização, para responder com serviços às necessidades da população crescente. Em contrapartida, nas regiões em abandono, nem população nem agro-indústria nem industrialização nem terciarização. E nem o débil aumento dos serviços públicos por parte do Estado, a partir dos anos 60 do Século XX, conteve o processo de partida e de envelhecimento demográfico, processo que implicou mais despesa em assistência e serviços sociais. E, hoje, os Estados já não têm recursos para ultrapassar 45% do Orçamento do Estado ou 25% do PIB nestas duas áreas”, adianta.
O ano de 2017 foi aquele que, na última década, mais crianças nasceram no distrito de Bragança. Foram 655. Daí para cá, os números têm vindo constantemente a dimuir, até às 494 de 2024, o primeiro ano com menos de 500 nascimentos registados.
Por exemplo, em 1983, de acordo com o relatório do INSA, o distrito de Bragança tinha mais de mil nascimentos e estava à frente de outros distritos como Beja, Portalegre, Guarda ou Castelo Branco.
Atualmente, Bragança está apenas à frente, e por pouco, do distrito de Portalegre.
De acordo com Henrique Ferreira, houve vários fatores que contribuíram para o atual estado de coisas.
“Demasiado ensino superior, falta de ensino profissional eficaz, ausência de emprego jovem, falta de habitação jovem e extremamente cara, déficit de apoio ao investimento e iniciativa dos jovens, recursos canalizados para a área da assistência social em detrimento das políticas de juventude, e excessiva valorização da diversão e da irresponsabilidade social constituíram e constituem um sistema económico-cultural que apela ao facilitismo e ao culto do bem-estar em detrimento do cuidado do futuro e dos vindouros”, aponta.
Henrique Ferreira defende mesmo que as autarquias locais têm sido parte do problema.
“A situação é deveras difícil mas tem de ser enfrentada, com os governos a terem de apelar à responsabilidade de todos, à iniciativa privada, às despesas úteis em termos de emprego e de futuro, aos investimentos na economia em detrimento da diversão e do entretenimento.
Neste aspeto, as autarquias tornaram-se num cancro dentro do Estado ao gastar 2.000 milhões de euros em diversão e entretenimento, descuidando a área económica onde podem, através ou de empresas municipais ou de participação em empresas promover investimento reprodutivo, continuando a assegurar os serviços públicos locais.
Não se pode, de modo algum, deixar aprofundar a tragédia do envelhecimento e da diáspora da juventude. No Nordeste de Portugal, as mulheres em idade reprodutiva diminuem 10% ao ano. Na Suécia, onde, na década de 30 do Século XX, começou o Estado Social, para resolver o problema demográfico, as mulheres foram apoiadas com enormes dispensas do trabalho, mantendo as regalias laborais e sociais, e enormes apoios sociais para poderem ter filhos. Em Portugal, falar disso parece crime e discriminação negativa, para os homens e para as mulheres”, sustenta Henrique Ferreira.
“Os portugueses, imbuídos de doutorismo, preferem ser escravos no estrangeiro a ser senhores de trabalho e cidadania no seu país.”
Nas palavras do sociólogo, a atual Lei da Imigração vem contribuir ainda mais para o problema.
“Para cúmulo de todas as tragédias, a Lei da Imigração e da Nacionalidade veio apelar à contenção da imigração e do agrupamento familiar imigrante em vez de prever formas de enquadramento legal e de legalização da população imigrante. Portugal precisa de imigrantes, por razões demográficas e para abastecimento laboral da economia. No Nordeste Transmontano, os alunos de proveniência imigrante já representam 10% da população escolar. Mas, os portugueses, imbuídos de doutorismo, preferem ser escravos no estrangeiro a ser senhores de trabalho e cidadania no seu país”, frisa.
Henrique Ferreira defende, ainda, uma mudança de mentalidades.
“As mentalidades têm de mudar. Caso contrário, deixaremos o nosso país para os que vêm de fora substituir os que não querem estar cá dentro a honrar os nossos antepassados e a gerir o nosso património, natural, económico e cultural. Exige-se muita mudança, muita mais responsabilização de todos, a todos os níveis. É pegar ou largar mas largar significa resignar, aceitar o fracasso. Em alguns momentos da nossa história, estivemos pior e recuperámos. Em 1640, só tínhamos 30% de homens, perdidos ou mortos os outros no mar e nos territórios da aventura marítima quase inútil, mas recuperámos. É preciso querer. Será que os portugueses atuais querem?”, questiona.
Ano Nascimentos
2015 612
2016 628
2017 655
2018 596
2019 629
2020 596
2021 513
2022 574
2023 594
2024 494