A opinião de ...

Da morte do Rayan, à exploração repugnante da morte dum inocente

Na primeira semana deste mês de fevereiro de 2022 meio mundo parou, suspenso das notícias que, em catadupa, foram chegando de Marrocos, dando conta da tragédia aterradora, protagonizada por uma criança, de apenas cinco anos de idade, lutando pela vida no fundo dum poço de mais de trinta metros de profundidade, cujo diâmetro variava entre os vinte e quarenta centímetros, condições que, à partida, faziam prever um resgate nada fácil, altamente problemático e de resultado imprevisível.
Com a possível prontidão, chegaram ao terreno equipas pluridisciplinares bem preparadas e equipadas com os meios necessários que, menosprezando os riscos que iriam correr, plenamente conscientes da complexidade da missão e das dificuldades ciclópicas que as esperavam, encararam a situação com grande dedicação e profissionalismo, fazendo tudo o que humanamente era possível para salvar a vida do pequeno Rayan, vítima injusta e inocente da irrequietude e da traquinice próprias de todas as crianças da sua idade que, mais do que da sua irresponsabilidade de crianças e dos azares da sorte, são vítimas injustas do desleixo inexplicável e da incúria criminosa de quem constrói toda uma quantidade enorme de ratoeiras como aquele malfadado poço , deixando-as depois, lá como cá e um pouco por todo o mundo, criminosa e irresponsavelmente, abandonadas, sem qualquer espécie de aviso ou proteção, mesmo nos lugares habitualmente frequentados por crianças, adultos e até mesmo animais.
Apesar de toda a dedicação e do enorme trabalho das equipas envolvidas , lamentavelmente, a tragédia anunciada, que todos temiam e na qual, ao mesmo tempo, ninguém queria acreditar, acabaria por se consumar.
O Rayan, aquela criança fabulosa que ferida e a esvair-se em sangue, injustamente num sofrimento incalculável, esteve sepultada viva, durante mais de cem horas, apavorada pelo breu da escuridão gélida e aterradora das entranhas da terra, quem sabe até se, quando uma luz ténue do exterior já lhe iluminava os olhos turvos de tanto chorar e dava mais coragem para continuar a resistir, acabou por morrer sozinha, privada do conforto, do calor, e da doçura do colo de sua mãe, carinhos e conforto tão necessários para qualquer criança, especialmente nas horas negras da morte.
Reza uma tradição transmontana que, quando morre um menino na terra, nasce uma estrela no firmamento e há mais um anjinho no Céu.
Ao novo anjo Rayan peço que não perdoe nem esqueça todos os Herodes dos novos tempos, que em vez de brinquedos e de pão, colocam armas nas mãos das crianças e negam aos pais as condições necessárias para lhes darem uma infância feliz e os prepararem para uma vida digna, e muito menos ainda, tanta da informação, criminosamente desvirtuada e manipulada que, com toda a desfaçatez deste mundo, tem a pouca vergonha de continuar a dizer e a escrever que “as crianças são o melhor do mundo”.

Edição
3871

Assinaturas MDB