A opinião de ...

O cardeal que queria ser pároco

O cardeal patriarca emérito, D. José Policarpo, esteve presente, recentemente, em dois momentos significativos da vida da diocese de Bragança-Miranda. Foi o ordenante principal dos nossos dois últimos bispos, tendo, nos últimos anos, desenvolvido uma ligação, para além de eclesial, muito especial, pessoal e afetiva, com esta diocese nordestina. Por isso não é de estranhar que D. José Cordeiro tenha recordado o patriarca emérito, na Eucaristia celebrada no último domingo na Catedral de Bragança, com quem foi fortalecendo “laços de amizade e de fraternidade”.
De entre as qualidades de D. José Policarpo, é reconhecido por quase todos o seu fulgor intelectual e a atitude dialogante com o mundo, a cultura e as outras crenças.
A sua inteligência brilhante terá sido determinante na escolha para aprofundar os seus conhecimentos teológicos em Roma, onde fez a licenciatura canónica em Teologia Dogmática. No âmbito do trabalho de fim de curso estudou a Teologia das Religiões não cristãs. Desde então começou a vincar-se a sua abertura ao diverso, que, certamente, influenciará a sua personalidade dialogante, não só com as outras religiões, mas também, com outras organizações sociais e culturais.
A sua passagem por Roma, entre 1966 e 1970, acontece quando a Igreja vivia a efervescência provocada pelo “aggiornamento” do Concílio Vaticano II. A reunião magna dos bispos tinha sido encerrada solenemente a oito de Dezembro de 1965. Apenas alguns meses antes da sua chegada à Cidade Eterna.
Não é de estranhar que neste contexto de abertura da Igreja ao Mundo Contemporâneo, escolha para tema da sua tese de doutoramento um conceito chave do Concílio: “Os sinais dos tempos”. Ao longo desse trabalho científico procurou provar que a “Igreja deve estar atenta à história dos homens e captar nela sinais positivos do Reino de Deus, porque uma sociedade justa não está apenas presente na realidade explícita do Cristianismo, mas acontece também na vida dos homens”.
Desde então desempenhou importantíssimas tarefas, tanto na diocese de Lisboa, como na Igreja portuguesa e universal. O seu vigor intelectual e o percurso académico fizeram dele um intelectual destacado e, segundo D. Anacleto Oliveira, atual bispo de Viana do Castelo e seu antigo bispo auxiliar, uma “figura incontornável”, não só da igreja portuguesa, mas também da cultura lusófona, reconhecido dentro e fora do país. Era uma voz ouvida e muito considerada em vários organismos da Santa Sé, a que pertenceu ou em que era consultor.
O seu percurso de vida acabou por afastá-lo daquela que era a sua aspiração, quando entrou no seminário: ser pároco de aldeia. À época, e de certa forma ainda hoje, os alunos mais brilhantes são escolhidos para desempenhar cargos no governo central das dioceses e raramente têm oportunidade de desempenhar essa missão, muitas vezes, considerada pouco relevante e prestigiante.
Com a atenção que o Papa Francisco tem dedicado às periferias e às realidades menos conceituadas, espera-se que essa perspetiva se altere e comece a ser valorizada no curriculum dos futuros bispos essa experiência pastoral. Essa já é, e pode ser cada vez mais, uma dimensão fundamental da vida das dioceses. E que melhor sítio para, como recomenda o Papa aos pastores, adquirir o “cheiro das ovelhas”?

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