(IN)TOLERÂNCIA
A tolerância é, assumidamente, uma característica dos regimes democráticos. Em termos gerias, ser democrata é estar aberto a ideias diferentes, respeitar opiniões diversas, reconhecer os direitos alheios e, quase por consequência, ser tolerante. Mesmo para quem o não é. Não há graus de tolerância. Ou se tem ou não se tem. E quem não for tolerante (com todos, porque com alguns é fácil) não se pode autointitular de democrata. Porém, Karl Popper alerta para o facto de que a tolerância ilimitada leva, mais tarde ou mais cedo, ao desaparecimento da tolerância. Porque os intolerantes, se aceites e tolerados, irão tomar de assalto todos os tolerantes destruindo-os e, com eles, a tolerância. Paradoxalmente, quanto maior for a tolerância, maior o risco de ser diminuída e, no limite, destruída. Deve, assim sendo, para que possa continuar a existir, ser limitada? O filósofo austro-britânico expôs as baias que a devem conter e limitar: sendo imprudente tentar suprimir filosofias intolerantes desde que sejam passíveis de serem combatidas com argumentos racionais (mesmo que não sejam aceites como tal). Porém deve ser, em nome da tolerância, reservado o direito de não tolerar o intolerante, colocando à margem da lei quem pregar a intolerância da mesma forma que acontece a quem propaga ideologia de incitação ao homicídio, rapto de crianças e reintrodução do tráfico de escravos. De qualquer forma, por regra, o combate à intolerância deve ser com argumentos. Popper é secundado por John Rawls e, recentemente, por Michael Walzer que recomenda que os intolerantes devem ter de aprender a tolerar ou, pelo menos comportar-se como se possuíssem tal virtude.
Em termos teóricos é difícil, a qualquer cidadão, que se considere democrata, rebater ou sequer afastar-se destas formulações, contudo, na prática não é bem assim. Olhando para as cenas lamentáveis das contramanifestações nas celebrações do vinte e cinco de abril e, apesar de menos óbvias e evidentes, as provocações de alguns partidos políticos a determinados grupos da nossa sociedade e, sobretudo, a impunidade com que o fazem bem como o proveito eleitoral que recolhem da complacência das autoridades e da grande maioria do eleitorado, é difícil aceitar a justeza do comportamento civilizado para quem o não é e disso retira avultados dividendos.
Apesar de a leitura deste texto ser feita depois das eleições, quando o escrevo, estas ainda não aconteceram. Não sei, portanto, ainda qual o resultado eleitoral mas, para agravar ainda mais a impunidade do comportamento à margem dos tradicionais cânones de convivência social e política, comumente aceite, temo que a dramatização exagerada até níveis perfeitamente ridículos, de pequenos incidentes da campanha, se possa traduzir em ganhos nas urnas. A acontecer (espero bem que não, mas receio bem que sim) chegamos ao advento da transformação do exercício político de exposição e justificação de soluções para os problemas reais das populações, num espetáculo patético de encenação dos dirigentes políticos. Igualmente, por paradoxo, a simpatia popular poderia ir não para aqueles que sejam capazes de dar o devido tratamento às lágrimas dos mais necessitados mas, por contradição, para quem melhor saiba dar expressão às próprias lágrimas, mesmo que claramente encenadas