A opinião de ...

Refúgios e Esperanças

Estar em casa é um exercício que produz alguma ambivalência, ainda que agora não pressione tanto essa sensação conhecida de estar a perder alguma coisa importante no exterior, porque não há atividades culturais, recreativas ou desportivas, em que se possa participar juntamente com outros.
Produz ambiguidade porque a casa não é só o refúgio seguro a que se chega ao final do dia ou em que se descansa ao fim de semana, está também carregada com as alegrias e tristezas, os sonhos e desilusões, as esperanças e fracassos, o convívio e a solidão, as conquistas e as perdas, de cada um dos seus moradores.
E, por isso, ficar em casa é também reviver todas essas vivências que lhe foram ficando associadas na nossa memória, às vezes por efeito de uma simples perceção (visual, auditiva, olfativa, táctil ou gustativa) que despoleta toda uma cadeia associativa na nossa cabeça.
Porém, ao invés de cair na armadilha da nostalgia, essa é também uma oportunidade para revisitar essas memórias, procurando dissociá-las das tensões mais desagradáveis, com recurso a técnicas de relaxamento, bem como dar-lhes um novo sentido que contribua para as integrar no nosso processo vital, libertando energia para o futuro.
Essas experiências acumuladas, fruto da conjugação das circunstâncias da vida com as nossas escolhas mais ou menos conscientes e coerentes, trouxeram-nos até aqui e, por isso, são de agradecer.
Contudo, esse agradecimento não significa conformismo ou resignação, mas sim um patamar para questionar quais são as condições em que queremos viver no futuro e o que estamos dispostos a fazer para isso.
Nesse exercício, é possível que tenhamos de descartar as nossas falsas esperanças, tais como as de que alguém se irá ocupar de resolver os nossos problemas ou de que tudo volte a ser como antes, mas também se abre a possibilidade de passarmos a orientar-nos pelas nossas melhores aspirações. E aí, ainda que pontualmente, podemos chegar a ver com clareza qual pode ser o nosso contributo para a mudança que queremos ver efetivada no mundo e perceber que não estamos sozinhos nesse projeto.

Edição
3823

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