A opinião de ...

Ora cá temos, ora cá está!

Quando eu tinha doze anos e frequentava o segundo ano do Seminário de S. José de Vinhais, fiz parte de uma turma, cujo professor de Latim era uma pessoa entre o preocupado e o entusiasmante. De tal modo se manifestava que, ao explicar-nos uma regra gramatical que continha uma ou outra exceção necessária à construção frásica, invariavelmente batia com a mão aberta em cima da página da gramática em que essa regra estava escrita, enquanto exclamava: “Ora cá temos! Ora cá está!”. Nós gostávamos do gesto, e aprendíamos sem grande esforço.
Serve-me este exemplo, tão carinhosamente lembrado, para reforçar o tema que já por várias vezes aqui abordei – os incêndios e os grandes incêndios que acontecem neste país, sempre que as altas temperaturas e o vento combinam os seus poderes para: a morte de pessoas e animais, a destruição de florestas, de casas, de igrejas, de culturas e da paisagem, enquanto nos deixam um rasto de cinzas, fumo e desolação, de tal forma que, nos rostos de quem sofre esta tragédia, aparecem lágrimas de consternação – umas vezes aparentemente de revolta e outras de resignação.
Depois, é o imprescindível movimento que se forma em torno dos bombeiros que, com todo o material necessário para fazer frente aos incêndios (muitas vezes ajudados por voluntários e proprietários dos bens em perigo), exercem toda a sua coragem e saber, até à exaustão, para dominarem aquelas forças da natureza.
Este ciclo dos incêndios é por todos sabido que, de ano para ano, se tem manifestado tão assíduo feroz e assassino, que, para além dos naturais sobressaltos que intimidam a população, a obrigam a pensar, não tanto na solução como na prevenção.
Ora, a prevenção dos incêndios requer um cuidadoso plano (naturalmente exequível), no qual se torna necessário que a população interaja com as instituições. Contudo, por melhor que um plano seja preparado, haverá pequenas brechas por onde podem circular os incendiários. Mas quem são os incendiários? Pelos vistos, são pessoas muitas vezes consideradas inimputáveis, pessoas que não têm a noção das ações que praticam nem da dimensão que advém dessas ações.
Num país democrático como o nosso, a repressão física constitui um ato inaceitável. Por isso mesmo, todo aquele que é suspeito incendiário (cuja condenação ou absolvição compete aos tribunais), deverá sentir uma permanente monitorização, além de uma forte assistência psicológica, nos casos inimputáveis.
A recente calamidade dos incêndios que recentemente se abateu no país, desde o distrito de Viana do Castelo, passando pelo distrito de Vila Real, até ao distrito da Guarda e Castelo Branco, vai ficar-nos gravada na memória durante muitos anos, não só pela sua duração e a fúria do vento, como por visões fantasmagóricas, onde se movimentaram e continuam a movimentar excecionais números de bombeiros e populares, aqueles habituados a utilizar os seus carros de combate aos incêndios, bem como outros meios de que puderam e podem dispor, com a preciosa ajuda vinda do alto – aviões e helicópteros – que, no momento certo e no lugar mais crítico, continuam a despejar toneladas de água.
Por outro lado, não podemos esquecer a ação da GNR, sempre atenta a quanto desvio possa acontecer, mas sobretudo pela sua ação de aconselhamento junto da população. Previsível e precisa tem de ser a coordenação dos que sabem movimentar-se nestas circunstâncias! Honra lhes seja feita!
Parece verdade que estes momentos de aflição e de destruição nem sempre acontecem por acaso.
E também perece verdade que o Homem tem uma enorme e grave dívida para com a Natureza, ao forçar-lhe a alteração do clima, de tal maneira que as estações do ano se confundem, obrigando a uma adaptação que vai durar anos e anos…
Mas como a dívida nem começou a ser paga, dando lugar a outras preocupações que o ser humano considera prioritárias, as catástrofes não só não vão acabar e muito menos abrandar.
É por isso que, depois do que vai acontecendo à Natureza por ação do Homem, não será de todo despiciendo considerar a grande verdade que António Gedeão nos transmitiu no seu poema “Fala do Homem Nascido”, ao afirmar que “as forças da natureza nunca ninguém as venceu”

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