A opinião de ...

Pilatos e a co-adopção

Desde que a Assembleia da República aprovou, na generalidade, o projecto de lei do Partido Socialista sobre a co-adopção de crianças por um casal de homossexuais que se ouvem ou se lêem alguns argumentos que merecem ponderação e, em meu entender, resposta. Salientarei três, por serem talvez os mais habituais e contundentes.
Dizem os defensores da lei que ela serve apenas para resolver os casos já existentes de crianças vivendo com um casal homossexual. Este argumento não é verdadeiro. A lei da co-adopção, se o chegar a ser, irá permitir que no presente, bem como no futuro, uma criança seja adoptada por um casal de homens ou casal de mulheres, passando assim a ter dois pais (homens) ou duas mães (mulheres) em vez de um papá e uma mamã. É evidente que dois papás não fazem nunca uma mamã…
A adopção existe para dar um pai e uma mãe a uma criança que, por infortúnio da vida, não os têm e não para o contrário. No entanto, com esta lei, a criança passaria a ser um objecto, uma espécie de «direito» de um casal homossexual. Os direitos da criança passam a direitos à criança. Aliás, falou-se sempre no direito de co-adopção dos homossexuais e não no inverso até porque à criança não é dada a hipótese de escolha, pelo contrário, é-lhe apresentada uma mentira. Por ela, decidem que vai ter dois pais ou duas mães.
É sabido como é difícil no tempo presente educar uma criança equilibrada e com valores civilizacionais inquestionáveis. Não se percebe pois, como é que o Parlamento aprova um projecto de lei, em nome de uma minoria das minorias sem salvaguardar os direitos fundamentais das crianças que já estão em risco por não terem um pai e uma mãe.
Tipifiquemos, porém, os casos comtemplados na proposta do PS para melhor se entender o que vai acontecer, e em que situações a lei se vai aplicar permitindo a co-adopção. Direi que genericamente são três.
O primeiro caso contemplado é o de dois homens ou duas mulheres que pretendem adoptar uma criança que está institucionalizada; o segundo é o de um viúvo ou viúva que case com alguém do mesmo sexo, mas tenha um filho de uma anterior relação heterossexual (sublinho que tem que ser viúvo ou viúva porque se a criança tem pai ou mãe vivo a co-adopção não é, obviamente, permitida); por último, é o caso de duas mulheres que vivem juntas e uma recorre à PMA (Procriação Medicamente Assistida), engravidando através de um banco de esperma no estrangeiro (sublinho), porque em Portugal a lei não o permite.
São estes, essencialmente, os casos em que a co-adopção se aplica. Têm, em comum, o facto de esquecerem a criança e os seus direitos. Lembro apenas que quando um casal heterossexual se inscreve para adopção de uma criança nos serviços da Segurança Social vai passar anos a ser investigado para que o Estado confirme se é ou não apto para adopção de uma criança e para que o Estado assegure que a criança tem um futuro melhor que a vida institucionalizada. São conhecidos casos em que tal foi negado, depois de anos de averiguações. Como é agora na co-adopção? Vai considerar-se sempre o casal apto para a adopção? Testa-se, verifica-se, tal como sucede nos casais heterossexuais? Não pode deixar de se colocar a questão óbvia do que irá acontece à criança no caso do casal homossexual se separar? Fica com quem? Mantém os laços aos dois e a obrigação de assistência parental ao filho adoptado pelo outro?
O segundo argumento que se tem ouvido vem dos sectores que são contra o projecto de lei mas não têm coragem para tomar posição numa questão «politicamente correcta», ou chamada fracturante, com receio, talvez, de parecerem pouco modernos - mesmo antiquados. São os que dizem coisas como: «o projecto de lei foi aprovado mas não houve debate nacional», ou «passou despercebido e ninguém sabia verdadeiramente o que estava o votar», passando, sim, um atestado de ignorância aos deputados em quem votam. São os que tentam discutir a forma, para não se comprometerem com o conteúdo. Ou seja, «lavam as mãos como Pilatos». O Papa Francisco sublinhou-o esta semana a propósito da intervenção política dos católicos, quando disse que os cristãos não podem «fazer como Pilatos, lavar as mãos». E disse mais: «Devemos implicar-nos na política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto que procura o bem comum.»
Curiosamente, o exemplo positivo chegou de França, onde se realizaram diversas manifestações como não se viam há anos. Na sua organização, esteve um assumido homossexual, que se mobilizou, sobretudo, por ser contrário à adopção por casais homossexuais. Esteve também a igreja francesa (leigos e clérigos), em defesa da família, como base fundamental da sociedade e dos direitos das crianças.
Em terceiro lugar, é ainda recorrente outro argumento que importa ponderar. Há vozes que arrumam a discussão da co-adopção por casais homossexuais, considerando que tal debate faz perder tempo e desvia as atenções das questões verdadeiramente importantes para o país, nomeadamente a grave situação económica em que nos encontramos: a crise.
Este argumento tem tanto de falso, como de perigoso. Para não voltar a invocar Pilatos, refiro apenas que todas as questões económicas, a crise e o consequente desemprego são evidentemente muito importantes e estão a tornar a vida de muitas famílias numa desgraça. Mas, por isso mesmo, é que a questão da família tem que estar no centro das preocupações políticas e dos debates no Parlamento e na sociedade.
Sem a percepção das consequências a todos os níveis da vida, pessoal e pública, não há forma de entender como foi possível a Portugal chegar ao estado de mendicidade, de insolvência e de corrupção em que se encontra presentemente. A ausência de valores éticos, a par com uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo, as mulheres e os filhos na pobreza em consequência da iníqua lei do divórcio recentemente aprovada, os velhos, a quem se chamava antigamente avós, abandonados nos hospitais ou nos lares, - são elementos que entre muitos outros, dependem da família.
Não há provavelmente debate mais importante a ter na sociedade portuguesa, em crise, do que perceber o que está a acontecer à família. Alguns sabem bem a importância disso e talvez pela consciência desse facto regressem constantemente aos temas chamados fracturantes, perante o silêncio conivente de muitos, ou pura e simplesmente a indiferença da maioria. As consequências deste baixar de braços, estão à vista e sentimo-las todos na pele.

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