A opinião de ...

Os CTT

Todos os dias calcorreavam montes e vales levando uma sacola grávida de boas novas e triste notícia, enquanto as entregavam escutavam desabafos, lamúrias e recados disto e daquilo. Nos dias de festa, especialmente no decorrer das matanças eram obrigados a partilharem dos comeres servido, nos dias de canícula bebiam água fresca das bilhas domésticas e das fontes ainda a jorrarem. Eram os carteiros. Os carteiros faziam parte da paisagem social transmontana, sendo de inestimável valia nos meios rurais.
Nos centros urbanos talvez fossem menos valorizados, no entanto em Bragança corporizo no sorridente, expedito e bem-humorado Sr. Albino Carneiro o perfil do carteiro excelentíssimo não no sentido irónico ao estilo de José Cardoso Pires, sim no entendimento de boa educação e lhaneza de carácter.
Aos domingos pelas 18.00, íamos aos Correios na esperança de receber cartas, das namoradas quando estavam de férias, ou acompanhando-as pois naqueles velhos tempos as raparigas estudantes ficavam cada período escolar na urbe e carteavam-se, melhor dito: as moças escreviam num bilhete-postal dada a franquia ser mais barata, cinquenta centavos.
O notável José Régio (caiu na obscuridade) dava grandes passeios aos domingos, nós passeávamos até aos correios, ali as Senhoras como a Dona Georgina, mãe do médico Rui Fernandes, atendiam-nos pacientemente como se estivessem a corrigir um telegrama no corrupio de um dia de feira. Esquecia-me: era agradável permanecer nos Correios nas tardes invernais. O edifício estava aquecido e o elegante Sr. Pires rasgava um sorriso e permitia segredarmos demoradamente paixões nos ouvidos das namoradas de aliança de comprometida anelar da mão esquerda.
Faço esta rememoração no sentido de lembrar aos leitores mais novos a importância também sentimental dos Correios, trazer à colação modelos de redigir telegramas (saberão o que é um telegrama?), pedir uma chamada telefónica a pagar pelo destinatário, adquirir estampilhas postais é exercício baldado como o de esperar brisas leves num dia de nevada tocada da Sanabria.
O Mundo mudou, transformou-se, estas e outras transformações acarretam alteridades, no entanto, a preconizada pelos gestores dos Correios visando o encerramento das suas Estações em municípios do Nordeste é grosseiro dislate, é nova machadada prenunciadora da morte lenta das Comunidades no tocante à sua vida activa, restando a esses territórios serem coutada onde se produzem vídeos recheados de impantes patrimónios para turista ver e investigadores estudarem.
Os CTT foram privatizados, hoje são um banco glutão de lucros a distribuir pelos donos de pacotes de acções, essa ideia de serviço público de cartas é no seu entender cousa da pré-história, mais a mais, a maioria dos portugueses menores de sessenta anos nem sabem o significado de sobrescrito, daí só os maiores dessa idade a viverem na ruralidade lastimam e até choram a possível perda de tão importante marca identitária começada no início do século XVI. Há mais de quatrocentos anos!
Os autarcas estão a protestar e a bater o pé, merecem sonoros aplausos e apoio no travarem a abstrusa ideia de fechar portas e portões dos CTT, para mal já basta assim e foi muito, recordo as linhas ferroviárias, no mais façam favor de consultar o famoso Guia de Portugal iniciado pelo filósofo e bibliotecário Raul Proença e logo verificam a perda. Sim o progresso científico provocou as referidas alteridades, a virulência económica determinou a cada vez maior solidão dos nossos conterrâneos apegados ao Lar, por isso mesmo os contadores de votos encolhem os ombros e os políticos rivalizam com os falsos pagadores de promessas.
Sei que não adianta muito, porém penso valer a pena os nordestinos engrossarem a estatística das manifestações. Prometo participar.

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3704

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