A opinião de ...

A burla escolar

No relatório Estado da Educação – 2013, publicado no passado dia 19, os conselheiros do Conselho Nacional de Educação (CNE) desfazem as mentiras e as hipocrisias neoliberais das notas dos alunos nas escolas básicas e secundárias, afirmando que é distorcida a competição entre os alunos, principalmente no acesso ao ensino superior, porque não há uma regulação efectiva das notas de frequência, ao longo do ano lectivo, atribuindo muitas escolas notas demasiado altas aos seus alunos face às obtidas pelos mesmos alunos nos exames nacionais.
Daí resulta, segundo o CNE, uma alteração grave das condições de acesso ao ensino superior porque umas escolas são extremamente exigentes na notação dos alunos para não aparecerem com divergências entre a notação interna de frequência (NIF) e a notação de exame (NE) e outras escolas tendem a compensar os seus alunos através da NIF para obterem prestígio social e clientela nas respectivas comunidades.
Para a avaliação externa, a coincidência entre o nível de NIF e de CE corre a favor da escola e a distorção entre as duas corre contra, contribuindo para uma menos boa classificação das escolas. Porém, o que parece contar para as escolas é a busca de clientes (alunos) e o prestígio social angariado na comunidade porque a diferença entre a NIF e a NE é pouco conhecida e pouco comentada e esta diferença foi corrigida pela notação alta em sede de NIF.
Estamos perante uma burla por parte das escolas, burla praticada em muitas, demasiado muitas escolas, há mais de 30 anos, que agora os conselheiros do CNE vêm, tardiamente, denunciar. Podiam ter ido muito mais longe, referindo, por exemplo, que os alunos do ensino público privado são muito beneficiados nos exames nacionais e nas NIF e que os professores do ensino público estatal tendem também já a beneficiar os alunos, durante as respostas aos exames, dentro das escolas.
Existe assim, fruto da competição pelo acesso ao ensino superior, forte distorção das condições de competição, tanto entre ensino público estatal e ensino público privado como entre as escolas do mesmo sector de ensino. É pena que as equipas de avaliação externa tenham poucas condições para evidenciar estas distorções. Assim como a de que muitas escolas induzem os seus alunos mais fracos a anular a matrícula, no final do segundo trimestre, para as escolas obterem boas notas nos exames nacionais e assim serem beneficiadas na avaliação externa.
O neoliberalismo em educação trouxe assim a competição entre escolas e a busca, por parte de cada uma delas, da melhor imagem junto do seu mercado. A verdade, porém, é que as escolas se encheram de injustiças, de alunos abandonados e passaram a valorizar, de novo, os alunos filhos de famílias das classes média e alta. Assim se inverteu o espírito de Abril de promover a igualdade social através da ajuda e orientação dos alunos com mais dificuldades. O que não significa beneficiar os alunos sem mérito.
Reformuladas, na década de 70, para criarem e orientarem para a democracia, as nossas escolas são, hoje, centros efectivos de más práticas de cidadania e de reelitização da sociedade. Pregam a solidariedade mas praticam demasiado a competição sem regras. Afirmam a inovação e a criatividade mas endoutrinam a obediência, a subordinação e o embrutecimento. Aprisionam os alunos na melhor fase das suas vidas. E, assim, o empreendedorismo desaparece e o neoliberalismo floresce. O génio maligno não faria pior.

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