A opinião de ...

Doutoramentos e alguns outros tormentos

Este artigo aborda alguns efeitos nefastos do Corporativismo para a Democracia e para a Justiça e Equidade sociais. O princípio basilar do Corporativismo é o de que a principal célula profissional da Sociedade é a Corporação, agregando os profissionais de uma mesma empresa ou Organização. Assim, quanto mais diferenciarmos as organizações mais problemas de coordenação, de justiça e de equidade vamos ter de resolver. Os constituintes de «Abril» pretenderam anular o Corporativismo do Estado Novo mas a realidade agravou todos os problemas dele derivados.
O Corporativismo foi, para Salazar e para o Estado Novo, o processo de regulamentação sócio-profissional adentro de cada corporação, sem mistura nem influência das outras. Serviu principalmente para isolar os trabalhadores e funcionários uns dos outros e impedi-los de constituírem forças de Oposição maiores como, por exemplo, as federações e confederações sindicais.
Na era democrática, ao contrário do que pareciam deixar supor os princípios das federações e confederações sindicais, o corporativismo medrou e criou autênticos estados de interesses económico-profissionais que anularam a capacidade do Estado de governar em equilíbrio e equidade de interesses entre os diferentes sectores da Sociedade.
Os principais exemplos deste desequilíbrio gritante encontramo-los em agremiações de dominadas por vários quadrantes políticos, desde os trabalhadores do transporte aéreo (PCP) aos trabalhadores do transporte ferroviário e rodoviário (ainda PCP), às ordens dos Médicos, dos Enfermeiros, dos Advogados e dos Engenheiros (PSD/CDS), às Confederações da Agricultura, da Indústria e do Comércio (PSD/IL/Chega), da Construção Civil (PS/PSD), do Ensino Privado (PS/PSD), da Medicina Privada (PS/PSD) e das instituições particulares de solidariedade social, de origens várias.
Todas estas corporações procuram controlar o Estado e colocá-lo ao serviço dos interesses de cada uma delas. Dito em bom transmontano: «o Estado é uma porca onde muitos leitõezinhos querem e precisam de mamar». Nenhuma delas pensa no interesse geral que harmoniza e une todos os membros da Sociedade. E cada uma delas procura coarctar o poder dos governos chantageando e manipulando a orientação do voto eleitoral.
Nas últimas semanas, tivemos uma mistura explosiva de infantilidades governativas e de aproveitamentos corporativos oportunistas da incapacidade governativa de planear e preparar a longo prazo, imperdoável num país com 48 anos de democracia e 894 anos de História e bem visível nos problemas da Educação, da Saúde, do Ensino Superior e de tantos outros sectores revelando uma meninez governativa nada aceitável.
Exemplo paradigmático deste corporativismo salteador da função regulatória do Estado escudando-se apenas no arranjo burocrático do domínio sobre a Sociedade foi a reação das universidades à possibilidade de os politécnicos poderem ministrar doutoramentos, mediante critérios técnico-científicos extensíveis também às universidades. Como sempre, o problema das universidades também é o do medo da sua própria incompetência face à vitalidade e concorrência dos institutos politécnicos. A concorrência é sempre vista pelos corporativistas como ameaça.
Os promotores da proposta apresentada à AR, com a nossa ex-Deputada Isabel Lopes como principal dinamizadora, ainda que outsider, nem sequer usaram paninhos quentes e enfrentaram o touro com o próprio nome: universidade politécnica. Os deputados aprovaram por unanimidade a proposta, na generalidade, baixando para discussão na especialidade, mas os do PS logo manifestaram a discordância face ao nome, à falta de melhor argumento. Enquanto Poder, julgam fazer jus às funções governativas de guardar as teias de aranha com que se há-de atrasar o desenvolvimento do país.
É verdade que a proposta apresentada podia ser mais bem trabalhada mas é suficiente para os fins a que se destina. Deus ilumine, ao menos por uma vez, os nossos deputados nacionais.

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