A opinião de ...

Vítimas da (in)Cidadania

A disciplina de Educação para a Cidadania tem andado nas bocas do mundo por causa de dois adolescentes e respetivos pai e mãe, residentes em Famalicão, impedidos os primeiros de frequentar as aulas da Disciplina, na Escola, pelos segundos, manipulados estes por perspetivas políticas liberais segundo as quais o Estado e a Escola não devem ministrar disciplinas deste tipo porque «aos pais compete o direito e o dever primeiro dever de educar os filhos» (CRP, artigo 73º), em matéria de valores cívicos, éticos e morais.
Estes dois adolescentes têm sido assim vítimas da (in)Cidadania dos seus pais e respectivos manipuladores já que, em Portugal, é impossível, até ao 9º ano de escolaridade, escolher ou rejeitar qualquer disciplina a não ser Religião e Moral, seja esta de que Religião for. E, por esta razão, a atitude dos pais só prejudica os filhos já que nenhuma instituição (seja da administração educativa seja do Ministério Público) pode dispensá-los das aulas da disciplina e da avaliação da respectiva aprendizagem.
Mas este caso também é paradigmático do disfuncionamento das nossas instituições do Ministério Público e da Protecção de Menores. Enquanto que a Administração Educativa tratou muito bem o caso permitindo aos adolescentes a transição de ano com aulas suplementares da Disciplina, os juízes do Ministério Público sentenciaram, em primeira instância, a retenção dos alunos no ano de escolaridade que haviam frequentado e, em segunda instância, a retirada da tutela dos pais sobre os adolescentes enquanto estes estivessem em processo escolar, entregando-a à Escola.
Gostaria de saber ao abrigo de que Lei proferiram os juízes tal sentença ou se esta foi uma tirada «educativa» à maneira da República de Platão, onde os pais perdiam o controlo sobre a educação dos filhos a partir dos sete anos de escolaridade.
Na verdade, nesta querela temos duas faces de um problema que se resume à resposta à seguinte pergunta: pode ou não o Estado obrigar os alunos a receber quaisquer ensinamentos desde que estes não imponham orientações sexuais, filosóficas, políticas, estéticas, religiosas, de género, de raça e de etnia? (CRP, artº 72). Como já disse acima, pode, primeiro porque a educação escolar é obrigatória e, segundo, porque é ao Ministério da Educação que compete o delineamento do Currículo, à escola a sua adaptação ao contexto sócio-escolar e ao professor a sua adaptação à especificidade dos alunos do grupo-turma. Há uma grande margem de liberdade da Escola e do Professor para «contextualizar» os ensinamentos previstos na forma de grandes temas ou de grandes princípios. E está garantida aos pais a participação neste processo de adaptação curricular aos alunos.
Pelo que, se os pais não trataram de ter esta participação, ou é culpa deles ou do Professor e Diretor de Turma que não criaram oportunidades para isso.
De qualquer forma, é profundamente imoral o que estão a fazer a estes adolescentes, vítimas primeiras do desvario dos pais e do Ministério Público, na pessoa dos juízes (juizas) que julgaram o caso.
Já agora, senhores juízes, repristinem o Decreto-Lei sobre a obrigatoriedade da frequência escolar, de 1952, onde constam as contra-ordenações e penalidades que o Estado pode aplicar aos pais com procedimentos como o que aqui se tratou, e a que o Estado Novo teve de recorrer tantas vezes para promover a instrução da população.

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3893

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