Diocese

“Houve momentos de maior dificuldade e alguns que foram vividos na solidão e não serão conhecidos”

Publicado por António G. Rodrigues em Sex, 2022-01-07 11:48

MB.: A Igreja foi pioneira com a criação das paróquias, modelo de organização que acabou por ser seguido pelo Estado. Neste momento, a adoção de Unidades Pastorais decorre das necessidades provocadas pela redução de população neste território. Acha que, mais uma vez, podem servir de modelo à organização territorial do Estado?
DJC.:
Em Portugal vivemos a separação entre o Estado e a Igreja mas isso não significa que não haja cooperação recíproca. E sim, sobretudo nestes territórios como é o caso de Bragança-Miranda, há muito trabalho que já foi feito e está a ser feito – há outro que depende do Governo central – mas penso que sim, que essa colaboração recíproca é muito positiva.
As Unidades Pastorais não retiram a singularidade das Paróquias. Esse é outro caminho a percorrer porque, neste momento, ainda temos 321 paróquias. Algumas não têm já condições para experienciarem aquilo que se requer a uma comunidade de vida cristã, com tudo o que isso implica ao nível de catequese, de liturgia e de caridade. Mas esse é um caminho mais difícil, mas que também está em estudo, a fusão de paróquias como aconteceu aqui na cidade de Bragança para melhor servir o Evangelho.
As Unidades Pastorais foram criadas não tanto por causa do despovoamento (que também é a nossa realidade) mas, sobretudo, para serem expressão de uma eclesiologia de comunhão/missão.
Bem era que tivéssemos mais pessoas, mas mesmo assim teríamos também adotado as Unidades Pastorais. Estas não podem ser entendidas como solução pastoral pela falta de recursos humanos, mas sim porque a Igreja é chamada a testemunhar essa partilha de bens materiais e espirituais como nos primeiros tempos, que é difícil realizar pelo bairrismo que ainda existe nas nossas comunidades.
Muitos Padres têm-me dito que quando as pessoas são convocadas para ir a um santuário, vão satisfeitas (algumas UPs uma vez por mês, promovem encontros e celebrações em santuários,  criando um caminho conjunto). Mas se são convocadas para ir a uma paróquia ao lado, já têm maior dificuldade em ir.
O mesmo aconteceu aqui em Bragança em relação à Catedral, mas hoje, progressivamente, ela é assumida como casa de todos e para todos, seja da cidade seja da Diocese.

MB.: Aqui em Bragança houve uma outra experiência ao nível da gestão de centros sociais. Que balanço faz?
DJC.:
As IPSS’s católicas, integradas nas Unidades Pastorais, são lugares evangelizadores da caridade e em acordo com o Estado, procuram também ser expressão desta unidade e desta comunhão.
É mais difícil pela questão burocrática. Tentámos aqui essa experiência piloto, mas depois não foi possível progredir por questões jurídicas e canónicas porque cada centro social paroquial é uma pessoa jurídico-canónica autónoma. Mas há que continuar a fazer esses caminhos e algumas Unidades Pastorais até já o estão a conseguir melhor. Agora, fundir num só é mais difícil, mas trabalhar em conjunto terá que continuar a ser feito na diaconia da caridade.
Temos de encontrar outras formas de cooperação e de colaboração. Agora, têm de estar bem definidas as questões jurídico-canónicas, sobretudo por causa dos acordos com a Segurança Social e com as instituições competentes do Estado.

MB.: Qual a decisão que mais lhe custou tomar ao longo destes dez anos?
DJC.:
Não sei... Ao nível pastoral foi o que já referi, de passar de 12 para quatro arciprestados. Na altura foi uma decisão difícil, tomada depois de escutar muitos agentes e realizar vários processos sinodais... E vimos que foi uma decisão acertada. Às vezes o mais difícil, depois da consulta e do processo sinodal, resulta no melhor para todos porque são retirados os nossos interesses, os nossos preconceitos, os nossos prejuízos e, quando olhamos ao bem comum, melhor ainda.
Depois algumas dificuldades relacionadas com a parte administrativa, a resolução de alguns problemas e conflitos, que existem em toda a parte, até nas famílias. O Papa, a brincar, diz que os problemas só não existem no cemitério. Mas, às vezes, quando se transformam em conflitos é mais complicado. E quando se ultrapassam determinadas linhas, torna-se mais difícil o exercício da autoridade, que tem de ser sempre o do serviço. Como dizia D. Hélder da Câmara: “a única autoridade da Igreja é o serviço”. Foi nessa base que sempre me procurei situar e assim quero continuar. A única maneira de liderar é escutar, amar, para melhor servir.
A maior dificuldade no início, embora sendo de cá, e vindo sempre cá ao longo dos 12 anos em que estive em Roma, no Natal, Páscoa e Verão, era não conhecer bem a realidade.

MB.: Qual foi, para si, o acontecimento mais marcante desta década na diocese? A visita da Imagem Peregrina?
DJC.:
Sim, a visita da Imagem Peregrina foi um momento muito marcante. Naqueles 15 dias em que eu acompanhei a imagem da Senhora pude ver o que de melhor existe nas nossas comunidades e nas pessoas na sua relação com a Mãe de Deus e com a fé. Em muitos momentos senti-me comovido. Creio que a Senhora não esteve um segundo sozinha durante esses 15 dias. E foram 15 dias profundamente marcantes na minha história e na vida da Diocese.
Mas tantas outras coisas. Não conseguirei dizer todas, mas posso destacar algumas. Tudo somado é de ação de graças e muito positivo, porque as crises, as coisas difíceis, a cruz mais pesada, foi sempre uma cruz mais florida porque vivida com Cristo. Mas houve momentos de maior dificuldade e alguns que foram vividos na solidão e não serão conhecidos (risos). Pode ser que um dia, quando for mais velho, se chegar a uma longa idade, possa escrevê-los. Mas ajudam a crescer, dão-nos maior maturidade, um sentido do Evangelho vivido e encarnado e também do amor a esta Igreja. Quem não sofre significa que não ama e se sofre é porque ama. Quem não ama, lamenta-se ou critica ou intriga. Mas quando se ama queremos o maior bem comum. Tenho consciência que entreguei inteiramente a vida a Deus e a esta diocese nos anos que a servi no exercício deste ministério e estará sempre presente no meu coração e na minha história.
A vinda e a presença do Mosteiro Trapista, Santa Maria, Mãe da Igreja em Palaçoulo, sendo a primeira vez em que estão em Portugal, como um rasgo de espiritualidade, como um oásis de silêncio, acho que é algo que marca o presente e irá marcar o futuro desta Diocese e da Igreja em Portugal, como já está a acontecer, com tantas pessoas que procuram aquele lugar para se encontrarem com Deus, e do testemunho que aquelas monjas dão de comunidade, de felicidade e de centralidade da liturgia na oração da Igreja.

MB.: Ali já começam a nascer vocações...
DJC.:
Esperamos que sim. Esse é o grande passo, sobretudo depois da construção do Mosteiro, que já se iniciou. O Mosteiro já contagiou outras vocações à vida Eremítica. Rezamos para que Deus nos dê as vocações necessárias para hoje. Algumas presenças tiveram de nos deixar (as Franciscanas Missionárias de Maria, as Servas do Apostolado). No entanto, Deus continua a consolidar a Vida Consagrada na Diocese.

MB.: Sente-se uma pessoa diferente daquela que assumiu a Diocese há dez anos?
DJC.:
Sim. Até a nossa fé cresce com a nossa idade e a nossa vida. Como pessoas, ficamos marcadas por todas estas experiências e pessoas. Este sentido da responsabilidade e da doação à missão porque há situações e coisas que não se entendem de outra maneira a não ser pela fé e pela entrega a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho.

MB.: Uma das marcas que fica é também o início da construção da Casa Pastoral. Em que ponto está a obra e o que fica a faltar?
DJC.:
A primeira fase está concluída e esperamos que em breve se possa iniciar a segunda fase. O projeto está em revisão porque, com as pessoas que colaboram com o Instituto Diocesano do Clero, concluiu-se que o projeto para o Seminário, Casa Pastoral Aberta a Todos, precisa de algumas retificações.
Mas, mais importante do que as obras é que o Seminário continue a ser “o coração da Diocese”. Por isso, na prossecução daqueles objetivos que inicialmente traçámos, é importante que a formação do clero e dos leigos se concentre ali naquela casa porque o futuro das estruturas desta Diocese passará por ali e pela Catedral como os dois grandes focos físicos e materiais. Onde não há formação permanente, há frustração permanente.
Nestes dez anos tivemos a graça de ordenar oito Padres e de integrar outros no ministério pastoral. A Diocese, neste momento, atendendo à nossa realidade pastoral, tem os agentes pastorais necessários. Mas continuamos a rezar para que Deus nos mande mais vocações, até para podermos partilhar com outros, como fizemos com alguns padres.
Dizia-me, uma vez, o nosso Pe. Telmo Ferraz, que tem já os seus 96 anos: “olhe que Deus não se deixa vencer em generosidade”. Quanto mais damos e mais nos damos, mais recebemos. E temos alguns sinais de esperança nos seminaristas e nos leigos cada vez mais conscientes da sua vocação e missão.
Neste momento continuamos a rezar para que o Senhor nos envie o novo Bispo em breve, que seja o sinal do Bom Pastor para esta querida comunidade diocesana.
Naquilo que procuramos fazer desde a primeira hora, é sempre nivelar por cima. Somos tão bons como os melhores. Não podemos cair na lamentação de que somos poucos, que o território está a despovoar, que se vive esta ou aquela situação. Não, temos é de encontrar como S. José e S. Bento, a coragem criativa, a humildade e a atitude correta, e o resto acontece, como Deus quer. Quando nos situamos sempre na sua vontade e no melhor serviço à comunidade e nunca para nosso proveito e para nosso serviço, sentimos que ao fim de tudo somos servos inúteis. Se mais não fizemos foi porque não sabíamos ou não pudemos. Mas acho que, em termos gerais, tudo o que tinha de ser feito, aconteceu. Com a colaboração de todos os que se dispuseram a dar o melhor de si próprios.
Às vezes brincava com alguns Padres e Leigos que me diziam que faziam o que podiam. Não! Temos de fazer ainda melhor do que podemos. Quando cada um se coloca nessa atitude, tudo cresce e todos ganhamos. E verificamos isso em vários lugares e instituições da nossa Diocese. Deus queira que seja para melhor.
Aquilo que eu desejo é que, a partir de agora, aquilo que se fizer seja cada vez mais e melhor. E naquilo que estiver ao meu alcance, até porque estamos na mesma província eclesiástica, tudo farei para que assim aconteça.

MB.: Como encara este novo desafio?
DJC.:
A vida é feita de infinitos recomeços e, ao recomeçar, encaro com fé humilde. E na coragem, na confiança e na esperança de que Deus é maior e que tudo é dom da graça divina.

MB.: Recentemente, também foi levantada, por outro jornal, uma dúvida sobre o “peso da dívida” do Mensageiro de Bragança, até como um peso que fica para o sucessor. É, de facto, um peso assim tão grande que fica para a diocese?
DJC.:
O Mensageiro de Bragança, com a sua longa história, os seus 82 anos já celebrados, é uma referência. Teve os seus altos e baixos, mas, neste momento, no panorama nacional e, sobretudo, da Igreja presente em Portugal, é um jornal autossustentável, um jornal de referência, é diocesano e regionalista. Está muito bem porque é assim mesmo com as instituições, que quanto mais antigas melhor, como o vinho fino. E esperamos que possam continuar com o entusiasmo de quem nele trabalha e o dirige, uma equipa jovem. Este é o rosto do compromisso laical na nossa diocese e do processo sinodal. O Mensageiro de Bragança é um dos rostos deste tempo que vivemos juntos: cresce ao largo e ao longe com o apoio daqueles que pertencem e pertenceram aos órgãos próprios da Fundação Mensageiro de Bragança. E tem também muito a fazer, na questão editorial em que agora também está lançado, na informação e na formação. Mas continua a ser uma referência para a nossa região e sê-lo-á cada vez mais se prosseguir os caminhos que estão em curso, com as atualizações devidas no âmbito digital, mas, sobretudo, com muitas ações em curso de inovação e criatividade.
O passado que herdámos foi enfrentado e está ultrapassado e auguramos o melhor e que seja para o bem desta região, desta Diocese de Bragança-Miranda.
Surpreende que haja pessoas que digam que há um peso de dívida! Ou haverá contra-informação ou ‘fake news’ em relação a isso. Mas procuramos fazer de um modo responsável, estando ao serviço e nunca nos servirmos. E quando estamos ao serviço, os resultados são visíveis, aparecem. Levam tempo, com certeza, mas é de um trabalho laborioso, consciente, dedicado e, sobretudo, de muito amor à Igreja. O Mensageiro de Bragança, enquanto tiver essa linha editorial, é abraçado pela Diocese e é referência para a Igreja. Até hoje, achamos que é um valor acrescentado para a Diocese, para a região e para a língua portuguesa.

MB.: Ao longo destes dez anos, foi chamado a tomar inúmeras decisões. Houve alguma em que, olhando para trás, pense que deveria ter sido de outra maneira?
DJC.:
Provavelmente, sim. Quando somos chamados a tomar decisões, tomamo-las conscientemente, com os dados que temos. Mas, recorrentemente, penso que as meias verdades são piores do que as mentiras. E às vezes pensamos que aquilo que nos é dito ou está escrito e documentado que é verdadeiro e autêntico e, depois, vimos a verificar que não é bem assim.
Mas o pior mesmo é não tomar decisões. A vida é feita disso e reconheço que em algumas situações, aconteceu isso. Na sua maioria, depois do arrependimento, foi de pedir perdão às pessoas e às instituições e de reconsiderar e recomeçar. Às vezes foram também os próprios a dizer que, afinal, não pensavam que fosse assim e era demasiado pesado e, então, reconsideramos.
Pior mesmo é não começar o caminho, não partir e, às vezes, de alguns não sabemos aonde nos levam, mas já sabemos que começamos e estamos juntos, sofremos as fadigas e os cansaços e, ao mesmo tempo, as alegrias e as esperanças.

MB.: E houve algum projeto que lhe tenha dado especial felicidade de abraçar?
DJC.:
Muitos, sobretudo a proximidade com o Presbitério e com o Povo santo de Deus. Aprendi muito, especialmente com os mais velhos, as nossas pedras angulares da memória. Aqueles que são de estruturas são sempre mais fáceis, mas tudo o que tenha a ver com pessoas, neste dinamismo deste corpo que é a Igreja e em que cada um tem a sua função e a sua missão, é difícil. O Bispo, umas vezes vai à frente, outras vezes vai no meio e outras vai atrás. É um exercício de muita paciência. Às vezes mesmo do martírio da paciência. Deus é maior.

Assinaturas MDB