A opinião de ...

Revisão da Constituição, nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Segundo reza a história, no Concílio de Trento, um dos mais marcantes da milenar história da Igreja Católica, um número considerável dos cardeais presentes naquele concílio, no que dizia respeito à situação dos cardeais, ter-se-ia manifestado contra toda e qualquer tentativa de introduzir na ordem dos trabalhos qualquer proposta que pudesse por em causa os direitos, as mordomias e os privilégios dos eminentíssimos purpurados de então.
Como era bom de ver, gerou-se uma enorme discussão e esta proposta só não foi para a frente porque um dos mais prestigiados cardeais de então teve a lucidez de a ela se opor e a coragem de a desmontar peça por peça, afirmando que os defensores daquela proposta estavam “Redondamente enganados e que também os cardeais, e estes mais do que ninguém, estavam a precisar de uma eminentíssima reforma”.
Tantos séculos depois daquele histórico concílio, esta afirmação assenta que nem uma luva na paranoia com que, na incerteza da atual conjuntura política na qual, como se não houvesse amanhã, uma parte muito considerável da classe política do país, como se não houvesse mais nada urgente e importante para o dia a dia das pessoas e tantas outras coisas que, para serem resolvidas, ontem já era demasiadamente tarde, do dia para a noite, deixou-se enredar pela aparente urgência para rever a Constituição.
Porque haverá sempre vida para além da Constituição, tempo vem, é caso para dizer-lhes que tenham calma, e que deixem a “velhinha” em paz e sossego no remanso da sua idade, porque ela, sendo a última a ter culpa desta situação, não se importa nada de esperar até aos cem anos para atingir a reforma, e disfrutar então dos méritos da sua proveta idade.
A toda esta gente que, depois dos resultados das últimas eleições legislativas, parece que foi mordida pelo bichinho da urgência de rever a Constituição, é sempre bom lembrar que, da mesma forma que ela não é, não foi e nunca será a causa de todos os males que apontam ao atual regime, muito menos ainda será a solução milagrosa que, qual varinha mágica, com um simples toque, venha resolver os grandes problemas com que nos debatemos.
De qualquer forma, é preciso reconhecer que é um erro crasso adiar por muito mais tempo e manter para sempre intocável uma Constituição como a nossa, que tem mais de meio século de vida e que, é sempre bom relembra-lo, foi formatada no contexto muito específico dos tempos pós revolução dos cravos do dia 24 de abril de 1974.
De igual modo. É indispensável ter sempre presente que agora o mundo é outro, as gentes são outras, as dinâmicas são outras e a informação, boa ou má, para o bem ou para o mal, circula à velocidade da luz.
(Continua)

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4039

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