A opinião de ...

Os desafios do desconhecimento e da incerteza

Estes últimos seis meses evidenciaram-nos, até de forma algo surpreendente para uma sociedade, europeia e ocidental, que antes se ufanava das suas certezas, capacidades e de para tudo ter resposta, a enorme fragilidade da condição humana e da crença num modelo de crescimento económico ilimitado, lançando-nos para um mar de desconhecimento e incerteza nunca antes navegado.
Ao dia de hoje, o que se vê? A discussão há volta do acordo para o brexit até dia 10 de novembro, sem o qual, a partir de dia 01 de janeiro de 2021, se entrará numa fase em que terão uma palavra a dizer as leis da Organização Mundial do Comércio nas relações comerciais entre a UE e o Reino Unido. A tentativa denotada pelos responsáveis da UE face à Rússia e com ela no Ocidente mais alargado, de ser uma protagonista mais ativa e influente. A questão do combate ao fundamentalismo islâmico, especialmente em França, representado agora no professor Samuel Paty que, à semelhança de outros, pela dádiva da sua vida, representa a semente e a chama de liberdade e do pluralismo. Esta questão aparece hodiernamente associada também à chamada da responsabilidade das grandes empresas detentoras das redes sociais por permitirem a apresentação e divulgação de discursos de ódio e de apelo à violência e ao crime. Não menos importante, a perplexidade que vamos sentindo pela forma como estão a decorrer as eleições americanas para escolha de um Presidente em que, entre outros itens preocupantes, deixa para reflexão a influência dos ataques cibernéticos...
Por Portugal, assistimos à discussão à volta do Orçamento de Estado para 2021 e da sua aprovação ou não, ele que foi entregue com algumas gralhas e imprecisões relativas ao Novo Banco e à TAP. Verifica-se a inquietude pela toma da vacina da gripe com um universo substantivo de pessoas mais velhas ainda sem acesso a ela, pese embora a data prevista de finalização da toma vá até ao próximo novembro. Alguns Hospitais anunciando estar no limite das suas capacidades, com alguns clínicos a pedir escusa de responsabilidade civil tal o estado a que se está a atingir e quem sugira que cirurgias programadas devam voltar a ser adiadas pela pandemia. Num grande número de Escolas constata-se a falta de assistentes operacionais e até já se fala em falta de professores pois as bolsas de recrutamento estão nas últimas (a que não é alheia a menorização do papel e do estatuto dos professores nas duas últimas decadas...). Empresários aflitos com a quebra de receitas e o pagamento de impostos e os trabalhadores a apertarem o cinto com os layoff e a incerteza do dia de amanhã para assumir os gastos de uma vida com dignidade.
Depois disto, a esperança volta-se para o dinheiro de Bruxelas, a chamada bazuca! Contudo, para além do receio pelo modo como vai ser aplicado esse dinheiro, ficamos a saber que representa, mais coisa menos coisa, 14 mil milhões de euros! Ora, pelos números do orçamento para 2021, constatamos que o défice orçamental vai obrigar Portugal a endividar-se em mais de 20 mil milhões de euros, que acrescida à dívida que o Estado já contraiu, a dívida total corresponderá a 20 bazucas! Fique-se ainda a saber que, só para pagar os juros da dívida, sem pagar capital nenhum, Portugal paga mais de 7 mil milhões de euros por ano! A bazuca europeia não chega para pagar 2 anos de juros da nossa dívida apesar de estarmos com juros historicamente baixos. Imaginemos se eles começam a subir...
Não parece que ficaremos muito bem, pois não?
Face a esta realidade, sabendo que não se pode desperdiçar tempo nem dinheiro, os desafios do desconhecimento e da incerteza devem proporcionar a mudança. Como Afonso Murad disse “o primeiro passo para a mudança é estabelecer um sentido de urgência”, isto é, tomar a sério o grito de alerta que apresenta a situação atual e pedir aos nossos responsáveis políticos que não só falem verdade mas especialmente que usem de rigor e sapiência na gestão do dinheiro que é de todos, para gerar confiança e coragem para fazer opções de médio-longo prazo, que ajudem a mudar este rumo que o País tem seguido!
Acrescento ainda, sem descurar, mais do que nunca, uma coesão social, partindo da base de que há feridas para curar e pessoas a quem cuidar.
Não há reconstrução social sem verdade nem solidariedade.

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3806

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