A opinião de ...

Guerra e Pobreza e as Crianças

o fundo de mim mesmo
eu sinto qualquer coisa que fere minha carne,
que me dilacera e tortura…
…qualquer coisa estranha (talvez seja ilusão),
qualquer coisa estranha que eu tenho não sei onde,
que faz sangrar meu corpo,
que faz sangrar também
a Humanidade inteira!
Este poema do grande pensador e lutador pela liberdade, Amílcar Cabral, natural da Guiné – porventura um dos grandes líderes do século XX, assim cremos muitos e eu – tem uma atualidade marcante. Possui o poema um grito de revolta: pela miséria que as guerras provocam, pela pobreza palpável, pela destruição agressiva, pelos desequilíbrios sociais e humanos, e, caros leitores, pela fome e pela doença.
O Papa tem feito apelos sucessivos à paz, e clamava, triste, direi protestava, há dias, como era possível que se estivesse em pensar aumentar em 2,5 % os orçamentos destinados à defesa! O diretor-geral da ONU, António Guterres, que deveria, afirmo-o com clareza, ser ator principal e presente nas mediações entre os beligerantes, pedia: «Presidente Putin, em nome da Humanidade, leve as suas tropas para a Rússia. Em nome da Humanidade não permita que comece na Europa aquela que pode ser a pior guerra desde o início do século, com consequências não só devastadoras para a Ucrânia, não só trágicas para a Federação Russa, mas com um impacto que não podemos sequer prever».
No entanto, apressam-se, pelo Mundo fora, os capatazes dos “senhores da guerra” a afirmar que urge aumentar as despesas (eufemisticamente: “investimento”) com a defesa, como a poio à NATO. É ver este corrupio de servidores – leiam-se as afirmações diárias de ministros e ex-ministros e embaixadores – a propagandear esta “legitimidade”: guerra com guerra.
Vi e vivi, pessoalmente, a guerra – guerra colonial – populações desestruturadas, crianças afastadas dos pais e das famílias, mulheres com filhos de ambos os lados dos beligerantes, idosos sofrendo os efeitos dos bombardeamentos, hortas por cultivar, militares portugueses e dos movimentos de libertação mortos e feridos e estropiados. Vi crianças, como vejo agora as crianças ucranianas, sendo mortas e feridas. Leio e vejo nos documentários televisivos e nos jornais, os milhares de refugiados africanos tentarem galgar o Mediterrâneo em busca de dias melhores; leio e vejo nos documentários, milhares de estruturas habitacionais, incluindo cidades históricas inteiras (Alepo, por exemplo) serem destruídas, e economias desfeitas.
Leio, e interrogo-me: como é possível que o Homem tenha chegado a esta situação perante si mesmo e perante o Planeta, no séc. XXI?!
Leio, e conforto-me um pouco com o texto de 18 de Abril do jornalista Pedro Perdigão (Jornal Público), de que colho o essencial: «Há uma conta que não pára de crescer e à qual nenhum de nós pode ficar indiferente: o número de pessoas a viver na pobreza e na pobreza extrema, em todo o mundo, trata-se de uma queda na pobreza e na miséria que vem encher o rol da lista das crises humanitárias de que temos memória. Este é um assunto que nos diz respeito a todos». Dirá?

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3880

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