A opinião de ...

Um passado para memória futura

Imaginemos que, num daqueles países de terceiro mundo um organismo encarregue de inspecionar vias de comunicação de um determinado país deixa um alerta quanto a possíveis danos numa ponte. Continuemos nesse exercício, imaginemos mais um pouco que nenhuma autoridade competente (o Estado) mexe uma palha que seja. Afinal, se não caiu até agora, o mais provável é que continue de pé. Até que caiu. Uma investigação rápida conclui que houve incúria dos serviços públicos que deveriam ter zelado pela segurança da estrutura e impedido os acontecimentos que terão levado à degradação da ponte. Presentes a tribunal, são condenados. A partir daqui, já é imaginação a mais pois em Portugal nada disto acontece. Ou quase.

O dia 4 de março jaz na história negra de Portugal há 18 anos. Depois de uma excursão ao Nordeste Transmontano, às amendoeiras em flor, um autocarro e três automóveis ligeiros desapareceram na noite, arrastados para um abismo de laxismo evidente que terminou sem culpados de facto. Foram 59 vítimas mortais, que podiam ter atravessado a ponte de Entre os Rios se os alertas quanto à segurança daquela estrutura tivessem produzido efeito. Cinquenta e nove. Mais pessoas do que têm aldeias inteiras do distrito de Bragança.

Sem se fazer um grande esforço de imaginação, podia pensar-se que é com os erros do passado que se aprende na caminhada rumo ao futuro. Pois.

Por cá não faltam alertas sobre a qualidade de algumas ligações rodoviárias e o perigo que representam para as populações. Especialmente no inverno. Uma espécie de história de Pedro e o Lobo mas ao contrário.

Todos os dias crianças cruzam a estrada que liga Vimioso a Bragança. Mas não liga apenas Vimioso, liga Miranda do Douro, liga Mogadouro ou Freixo de Espada à Cinta. Autocarros, ambulâncias, carros particulares, todos os dias sujeitos a que a história se repita. Quem diz essa ligação, diz a de Vinhais à A4.
O país quer promover as exportações para equilibrar a balança comercial. Mas depois esquece-se de arranjar os meios para retirar os produtos exportáveis das casas dos produtores. Da castanha ao fumeiro, passando pela carne.

Enquanto isso, os fundos que deveriam servir para “coesão territorial”, ou seja, aproximar as regiões mais pobres (como Trás-os-Montes) das mais ricas (área Metropolitana do Porto ou o Minho, por exemplo) continuam a ser desviados para outras paragens. De dois milhões de euros a que estas gentes tinham direito para investir em formas de melhorar a vida na região, sobram 800 mil. É esta a proposta da CCDR-N, a entidade encarregue de distribuir o dinheiro. Que se fica pelos amigos.
Chega-se ao cúmulo de se querer desviar dinheiro da regeneração urbana do Nordeste Transmontano para Felgueiras, porque “há mais densidade populacional”. Um argumento que defende precisamente o contrário, pois a população está mais concentrada e a área a intervir é menor.
Passados 18 anos, continuamos sem aprender nada com a história.

Noutro âmbito, a Cáritas diocesano atendeu, em 2018, mais de quatro mil famílias, o que equivale a mais de 13 mil pessoas. Em 2011, o perímetro urbano de Bragança contava pouco mais de 21 mil residentes fixos. Com a população flutuante deverá passar atualmente as 25 mil pessoas. Ou seja, na diocese (que corresponde à área geográfica do distrito de Bragança), a Cáritas atendeu mais de metade da população da capital de distrito. Números que deveriam fazer pensar.


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