A opinião de ...

Memórias do 25 de Abril V: O renascer da esperança

 
Em 5 de Março de 1974, o Movimento dos Capitães ganha estatuto político universal e passa a autodesignar-se por MFA (Movimento das Forças Armadas), na intenção de que fosse um movimento de todos: oficiais, sargentos e praças.
O ambiente social, no início de 1974, era de hostilidade generalizada para com o Governo (calcula-se que 90% dos(as) portugueses(as) tenham apoiado o golpe militar. Até o lado mais progressista da Igreja Católica que, desde o episódio da Capela do Rato, em Janeiro de 1973, exigia humanização social e liberdade de expressão. Por outro lado, o dinamismo da sociedade civil, sobretudo das classes burguesa e industrial e operária (sindical) exigia mudanças na regulação da iniciativa económica a que o Governo não conseguia responder.
Em 27 de Março de 1974, terminaram, em segredo, sob a direcção do governo da Grã-Bretanha, as negociações para acabar com a guerra na Guiné e os militares sentiram mais legítimas as suas iniciativas mas as prisões que se seguiram à tentativa de golpe de 16 de Março constituíram um rude revés.
Era necessário apressar o golpe militar e, para isso, foi constituída uma equipa de planeamento operacional que, no dia 24, à tarde, se instalou no quartel da Pontinha, em Lisboa. Nesse dia, até às 19h00, todos os oficiais aderentes foram notificados do golpe, sob códigos militares, e informados da senha e da contra-senha para iniciar as operações, com alvos e intervenientes codificados. Tinha-se conseguido a adesão de um jornalista (João Paulo Dinis) da emissora Rádio Clube Português para passar a senha e a contra-senha, respectivamente constituídas pelas canções E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho (22h55) e Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso (0h15).
Os aderentes, em cada unidade militar, fizeram-se à estrada, com fé e com o armamento possível (muito pouco na maioria das unidades intervenientes). Se houvesse guerra, não duraria mais de meia hora, por falta de munições. Às quatro da manhã, já havia alvos conseguidos, tanto em Lisboa como no Porto. Outros, só o seriam ao final do dia 25. A sorte e o povo (o militar e o outro) decidiram tudo e houve uma enorme explosão de alegria em todo o país. Os problemas viriam depois face à falta de preparação política dos fazedores do golpe e de um programa claro e partilhado pelas diferentes perspectivas de ação política em disputa: a democrata-cristã, representada por António de Spínola, e o socialismo comunista, representado por Costa Gomes, e em confronto, dentro do MOFA/MFA, desde o início de Dezembro de 1973.
Realizou-se então a profecia de Salazar, em 1966: o Partido Comunista tomou conta do país face à ausência dos partidos do centro democrático. Porém, com maior ou menor dificuldade, o MFA cumpriu o seu programa: houve eleições para a Assembleia Constituinte (25 de Abril de 1975); foi aprovada a Constituição, o novo pacto instituinte do Estado e da Nação portugueses (25 de Abril de 1976); realizaram-se eleições legislativas livres em 25 de Abril de 1976, tomando posse o I Governo Constitucional em 23 de Julho de 1976; e eleições para Presidente da República, no dia 27/06/1974, sendo eleito Ramalho Eanes. Portugal ultrapassou assim a voragem comunista e manteve-se fiel à sua história.
Mas pagámos bem caro o ano e meio de aventura pêcepista: a má forma e processo da descolonização e a reintegração de 500.000 «retornados» mancharam gravemente a revolução de Abril de 1974e exauriram os cofres do Estado. Mas o balanço final, hoje, parece-me positivo.
 

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