A opinião de ...

Rosalía. O pare, escute e olhe!

Fulminante mas perdurável. O novo álbum de Rosalía apanha todos, prevenidos e desprevenidos, e faz-nos voar para outra dimensão. Fortíssimo. Com uma música extraordinária, vozes e instrumentos autênticos, em cocktail com elementos electrónicos e techno, simbolismo das imagens dos videoclips, letras, duma genial poética e adesão à realidade – fazendo-as intemporais, tão íntimas! Emoção, indescritível, a despertar escondidos, profundos e esquecidos sentimentos.
Milhares de vídeos nas redes com entrevistas e explicações sobre o álbum LUX, milhares de elogios à artista-autora-compositora. As análises mais institucionais, referindo-se ao êxito da mistura de estilos musicais, ao fora da caixa – e às letras e ao seu carácter místico. As mais intimistas, referindo-se a este misticismo e a Deus. As mais preocupadas com o politicamente incorrecto (como sendo um estorvo alguém aparecer com esta dimensão transcendente no mundo pós-moderno e Pop), disfarçando, dizendo que se tratará apenas de aproveitamento do marketing da simbologia divina, cristã, católica ou espiritual doutras referências, flagrante nas faixas e na postura de Rosalía.
Mas, precisamente, na prestação de Rosalía e na sua postura e explicações, está a afirmação pela arte. Arte Pop. E a religião e a arte sempre aderiram uma à outra. As igrejas estão cheias de arte, cerimónias e orações fazem-se com arte. Os artistas têm uma via especial para a sua busca pela verdade e uma sensibilidade especial para captar uma época. Que não se trata duma época em abstracto, trata-se da nossa. E Rosalía trabalhou a fundo as letras e as músicas como Arte.
Pára, escuta e medita. Todos temos momentos tóxicos na nossa vida, coisas intrusas a esquecermos quem somos ou onde vamos. E precisamos de nos desocupar de tudo isso, de criar o vazio para dar lugar a outra coisa, de abrirmos uma brecha, nas paredes que nos tolhem o caminho, e por ela deixarmos entrar a luz. Rosalía fê-lo, com este superlativo LUX. Conseguiu-o para si e entrega-o.
Ouve, esvazia-te e chora. “Nada se cria do nada”, para usar as suas palavras, e, por isso, todas as faixas estão cheias de reminiscências flamencas, de ópera, de fado, de rap, de tudo – e não são reminiscências de todos nós? A fusão das línguas empregues, dos estilos, das santas mulheres exemplares que a inspiraram, cujas ideias preencheram o seu prévio vazio criativo. E mesmo no turbilhão Torre de Babel em que decorre a nossa vida, deixar-nos conduzir pela toada de luz é a solução que nos propõe, já e agora, “porque antes agora que depois”, nos diz a artista que a produz e cria.
Sentir, ver, sofrer. Despojando-nos de preconceitos e do que nos anestesia, podemos sentir a nossa dor e a dos outros, mas a olhar para cima, “o disco tem uma intenção de verticalidade”, “tocar o céu”. Ser capaz de apreender que o escrito e composto pela que, dizendo “apenas tento ser música da melhor maneira possível!”, nos faz crer que no nosso sofrimento está a energia, a força do trabalho de irmos ao encontro da luz.
Instrumento de Deus ou estratégia comercial? Ora, Deus pode estar presente numa estratégia comercial, porque não? E, apesar dos sucessos comerciais poderem passar, como uma moda, o seu conteúdo e mensagem ficam para sempre, quando são intemporais. Como com LUX. Cuja poesia e conteúdos foram buscados em mulheres que em todas as épocas procuraram a sua LUX nessas intemporalidade e transcendência.
Impossível ficar indiferente a LUX, composto no estilo Rosalía. Ouçamos, dancemos, meditemos, porque o que em linguagem POP nos está a ser dito, para ser entendido por cada um da maneira diferente que a cada um dirão as mesmíssimas palavras e músicas, é o que, de certeza, precisamos ouvir de Alguém que já o tinha dito: “levanta-te, anda e ama”.
Que Rosalía também ouviu.
LUX!

Edição
4065

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