A opinião de ...

“Scrollar”

Estou a imaginar o meu “velho” amigo e colega Marcolino, ali de S. Martinho de Angueira, Miranda do Douro, professor reformado do ensino primário, como se designava então – lembras-te, Marcolino?! – e cesteiro nas horas vagas, quando os vimes dão de si, e pauliteiro de verdade, e ator de cinema quando lhe acodem à porta a solicitar novidades, a sorrir e pensar: cá está o Paulo a brincar, utilizando uma palavra estrangeira. Tens razão, pois poderia escrever “rolar”! Mas sabes, Marcolino, utilizamos tantas palavras estrangeiras! Não temos nós uma língua que nasceu de tantas?
“Scrollar” (está no google) é o ato de mover com um dedo a tela de um dispositivo eletrónico, smartphone ou computador ou telemóvel, para cima, para baixo e para o lado, para visualizar conteúdos que não cabem na área visível. Fazemos tal, “forçados” somos, quando nos invadem a privacidade com informações, pouco ou nada confiáveis. Entretemo-nos com matérias que nos avassalam. Passa-nos ao lado uma imensidão de assuntos importantes. Sabeis, caros leitores, também tu, Marcolino, que, em Maio deste ano, o filósofo germano-sul-coreano Byung-Chul Han foi distinguido com o Prémio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades 2025. O autor de A Sociedade do Cansaço (Relógio D’Água Editores), desmonta com clareza as promessas do neoliberalismo (o capitalismo travestido). Atrevo-me a transcrever deste livro o seguinte: «Imaginamos que somos livres, mas, na realidade, exploramo-nos a nós próprios voluntariamente e com entusiasmo, até ao colapso. Esse colapso chama-se burnout. Somos como aquele escravo que tira o chicote ao seu senhor e se flagela a si próprio, acreditando que assim se liberta. Isso é uma miragem de liberdade. A autoexploração é muito mais eficaz do que ser explorado por outros.”
Esta louca “diversão” das redes sociais – que adrede podem enfraquecer-nos mentalmente – matam o relacionamento entre as pessoas, prejudicam a serenidade, o convívio e o apaziguamento social. As pessoas “olham” sem ver e sem observar os fenómenos políticos, sociais, económicos e culturais que nos cercam.
Três exemplos, com questões.
1. As alterações climáticas – as inundações, secas e ondas de calor impactam no ambiente, na saúde, através de vetores diversos, e bem ainda na insegurança alimentar. Estarão, países e sociedades, em estado de alerta? Será que o COP30 (Conference Of the Parties- Novembro, 2025), em Belém, Brasil, terá mais sorte do que o Acordo de Paris (2015) na execução de ações para reduzir o aquecimento global em 1,5º?
2. As migrações – conhecemos o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenadas e Regular (ONU, 2018, assinado por 164 países) sem medo de enfrentar um fenómeno que tem milhares de anos e que entre nós é tratado com infâmia pública por um partido e movimentos radicais?
3. A pobreza e a desigualdade social – não estamos a encarar, de forma negativa, sem pudor, o género, a falta de empregos, o baixo nível do poder de compra das famílias, a violência e criminalidade, a falta de acesso a serviços de saúde adequados e a prevalência de doenças, a desinformação e crimes virtuais, sem fazer um esforço para a mudança?

Edição
4064

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