Agricultores revoltados com atrasos nos pagamentos anunciados pelo Governo
O anúncio, feito na passada quinta-feira, pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) de que os prazos de pagamento das ajudais anuais aos agricultores decorreriam, este ano, mais tarde do que o normal, fez soar as campainhas de alarme na agricultura nacional mas, em especial, na do Nordeste Transmontano.
Se, normalmente, a primeira tranche de apoios era paga a 31 de outubro e a segunda a 31 de dezembro, ficando apenas 15 por cento (ajustes) para janeiro, o calendário agora divulgado indica que a primeira tranche será paga só a partir do final de novembro e a segunda já em 2024.
Os pagamentos vão mesmo estender-se até junho do próximo ano (agricultura biológica).
“Numa altura em que os preços dos fatores de produção dispararam e em que a falta de água afetou a produção de forragens para os animais, em vez de haver um esforço para pagar o que é dos agricultores atempadamente, ainda se vão adiar os pagamentos, colocando em causa a viabilidade do setor”, acusa Carlos Silva, presidente da Cooperativa de Agricultores de Vinhais e da União de Agrupamentos de Defesa Sanitária de Trás-os-Montes.
“No ano passado anteciparam os pagamentos devido à seca. Este ano, para além de não pagarem no início do prazo previsto pela União Europeia, vão pagar um mês ou dois depois do que é costume. Associado a isto a subida do gasóleo, a seca que afetou as forragens mais a subida dos fatores de produção, pode ser o fim de muitas explorações”, garante.
Também Hélder Teixeira, presidente da Cooperativa de Olivicultores de Vila Flor e Ansiães, que tem mais de 600 associados, não esconde a revolta, até porque o facto de os pagamentos se estenderem para 2024, pode significar mais uma machadada nos agricultores através do aumento do pagamento do IRS do próximo ano.
“Se vão pagar o ano que vem também em 2024, isso pode fazer aumentar o IRS, pois vamos somar grande parte de dois anos no mesmo. Fiquei abismado”, confessou ao Mensageiro.
Hélder Teixeira diz mesmo que a agricultura “começa a ser uma aldrabice”. “O agricultor fez investimentos a contar com estas receitas até dezembro e, neste momento, passou quase tudo para o próximo ano. Na agricultura biológica, então, houve muitas mais candidaturas do que o dinheiro orçamentado. Ou seja, vão ter de ratear o dinheiro que têm para pagamento a toda a gente porque o dinheiro que têm só dá para 30 por cento do pagamento.
O orçamento eram cinco milhões e candidataram-se 15 milhões”, explicou ao Mensageiro.
Hélder Teixeira teme mesmo que esta situação de atraso possa vir a “estragar a vida às pessoas”.
“Há agricultores com empréstimos e estão à espera deste dinheiro para pagarem os seus investimentos e podem chegar à altura de fazer os pagamentos e o dinheiro não lhes cair na conta. Entrando em incumprimento, é um problema com os bancos e pode estragar a vida às pessoas”, sublinhou o presidente desta cooperativa.
Associações dizem que “situação é inaceitável”.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) considera que “esta situação é inaceitável”.
Em comunicado, a CAP diz que já esperava. “Dado o modo como decorreu a última campanha do Pedido Único, sem qualquer paralelo no passado das últimas décadas da Política Agrícola Comum, com as organizações de agricultores a não conseguirem os esclarecimentos mínimos para a elaboração das candidaturas em tempo útil, era certamente inevitável o atraso agora constatado”, lê-se. Por outro lado, “a consulta ao Calendário Indicativo de Pagamentos do Continente, relativo à Campanha 2023, disponibilizado pelo IFAP, permite constatar que mais de 90% dos pagamentos apenas se inicia em novembro, estendendo-se até junho de 2024”.
Ora, para a CAP, “esta situação é inaceitável”. “Os agricultores terão, obviamente, de ser compensados por este atraso – que aliás os colocam uma vez mais em condições de acrescida desigualdade com os seus concorrentes espanhóis – nomeadamente aqueles que devido às garantias explicitamente dadas pelo Ministério da Agricultura contraíram obrigações financeiras junto da banca.
Neste momento e face aos resultados da reunião que o Senhor Primeiro Ministro teve com a CAP na semana passada, exigem-se três linhas de atuação imediata:
1 – que sejam envidados todos os esforços possíveis pelo IFAP para acelerar os pagamentos em questão e evitar teias burocráticas que criem novas dificuldades;
2 – que se iniciem de imediato os trabalhos para a adoção das necessárias alterações ao PEPAC que a CAP vinha propondo e que o Senhor Primeiro Ministro aceitou, o que permitirá no futuro um acesso muito mais direto dos agricultores portugueses aos fundos agrícolas europeus e nos colocará num plano de maior proximidade com o que fazem os governos de Espanha, França ou Alemanha, melhorando as nossas condições de competitividade com os nossos principais parceiros e concorrentes;
3 – que se inicie desde já o estudo do reforço das medidas agroambientais do segundo pilar, aprofundando a vertente ambiental e garantindo o seu pagamento”.
Também a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas (Confagri) lembra que “em 2022, de acordo com o INE, os agricultores portugueses tiveram uma redução do rendimento da atividade agrícola, em termos reais, de 11,8%”, pelo que teme que em 2023 seja ainda pior.
Nuno Serra, Secretário-Geral Adjunto da Confagri, diz ver “com extrema preocupação o calendário de pagamentos confirmado pelo IFAP, pois revela que os agricultores irão acarretar mais custos o que vai, definitivamente, condicionar o seu rendimento e ser mais um entrave à competitividade do setor”.
Produtores revoltados
Esta situação está a revoltar vários agricultores transmontanos. Nuno Diz, natural do Parâmio, uma aldeia no coração do Parque Natural de Montesinho, a meio caminho entre Bragança e Vinhais, tem cerca de dez hectares de castanheiros e cerca de uma centena de ovelhas. Ao Mensageiro, admite que “num ano de crise global, principalmente com o aumento dos preços dos combustíveis, rações, forragens, adubos e todos os materiais inerentes à produção agrícola torna-se difícil suportar esses custos todos”.
“Este atraso vai ser muito prejudicial uma vez que os subsídios, neste momento, são essenciais para suportar todos os gastos que temos ao longo do ano e, havendo alguns subsídios que apenas serão pagos no próximo ano, nomeadamente o da agricultura biológica, cuja primeira prestação será paga a em janeiro de 2024 e a segunda apenas em junho, torna-se insuportável conseguir pagar todas as despesas”, garante.
Nuno Diz acredita que esta situação vai levar muitos agricultores a deixarem a atividade, sobretudo os produtores de animais.
“Com o atraso no pagamento dos subsídios, e tendo em conta estes dois últimos anos, por exemplo, em que tivemos períodos de seca extrema, temos muitos produtores a vender animais uma vez que não é possível pagar a despesa com a alimentação deles”.
CIM espera visita da Ministra da Agricultura à região
Também a Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes (CIM TTM), que congrega os concelhos de Bragança, Vinhais, Vimioso, Vila Flor, Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé, Mogadouro e Miranda do Douro, se mostra preocupada com esta situação.
O vice-presidente esta CIM, Pedro Lima, também presidente da Câmara de Vila Flor e ele próprio agricultor, teme que seja a machadada final na região.
“Parece, em primeiro lugar, inacreditável e de uma insensibilidade extrema. A agricultura portuguesa e transmontana está débil, frágil, sem margens para amortecer todas as intempéries que têm acontecido e a seca do ano passado.
Isto parece inacreditável. Para premiar toda esta dor do agricultor tenhamos, ainda por cima, um atraso muito significativo.
Pode inviabilizar e condenar algumas explorações a dificuldades financeiras inimagináveis”, sublinhou.
Pedro Lima aponta para “uma insensibilidade extrema para com os agricultores, que lutam afincadamente contra fatores naturais mas, agora, onde devia haver sensibilidade, apoio e conforto, para que motivação dos agricultores continuasse firme, não”. “Temos esta posição perfeitamente incompreensível”, diz.
Questionado sobre uma eventual necessidade de a Ministra da Agricultura se demitir, Pedro Lima diz que não lhe cabe a si comentar. “Já é uma questão que cabe ao Primeiro Ministro avaliar. Pura e simplesmente, como autarca e agricultor, falo de políticas que estão a afetar negativamente o nosso território e os nossos agentes económicos”, explicou.
O Mensageiro questionou o Ministério da Agricultura sobre esta matéria mas, até ao fecho desta edição, não obteve qualquer resposta, como vem sendo hábito.
Enquanto isso, Pedro Lima pede “mais sensibilidade” para a agricultura. “Cabe-me a mim dizer que esta política, estas novidades, são mais uma machada na agricultura e num território desertificado, mais um distanciamento do poder central para quem está nas franjas do interior.
A política, para com a agricultura, tem de ser muito diferente. Se, em tempos, já teve margens de manobra, hoje em dia não tem. O rendimento médio do agricultor baixou 12 por cento no último ano. Estamos com uma fragilidade absoluta e é vital para o país.
É a principal atividade do Nordeste Transmontano.
O MA e os seus atores têm de fazer o que podem pela agricultura. E se se escudam atrás de Bruxelas, lanço um desafio: baixem o gasóleo agrícola e tudo onde o Governo Português pode decidir sozinho e que o faça já”, apontou.
O autarca lembra que “estes pagamentos eram quase uma linha de vida após as intempéries e a seca”. “Muito sinceramente não sei onde os agricultores vão conseguir reunir forças, arranjar fundo de maneio para continuarem as suas atividades. Na agricultura, se abandonamos a atividade, é preciso muito tempo até regressar aos níveis anteriores.
Na pecuária, o assunto é mais sério porque estamos a falar de seres vivos, que não podem passar sem alimentação”, frisa. “Há que ter sensibilidade para a nossa agricultura”, pois “só quatro por cento dos agricultores estão abaixo dos 40 anos”.