Autarquias III – A governação das autarquias locais
Limitarei a minha última intervenção sobre este tema com o intuito de reflexão antes de “deitarmos” o voto. Não me substituo, portanto, aos autores que têm realizado abundantes estudos sobre a governação autárquica. Por acreditar que pode emergir de todos os cidadãos um interesse pela gestão da coisa comum, por estar convencido que o modelo de gestão democrático-participativo sobreleva qualquer devaneio autoritário ou caudilhístico, por ser de elementar justiça que os poderes locais devem promover inovação, e porque as atribuições confiadas ao poder local devem primar, tanto pelo diálogo e celeridade no tratamento dos assuntos, quanto pelo respeito pelos cidadãos, teço estas considerações.
A base legal é a nossa Constituição e a Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro, além outros textos que aportam instrumentos úteis à governação local, designadamente a Carta Europeia de Autonomia Local. Os eleitos ficam com poderes que se fundamentam em três princípios: (i) da autonomia (nas vertentes administrativa, financeira e regulamentar, que acolhem o princípio da legalidade – pedra angular do nosso sistema político); (ii) da descentralização administrativa – traduz-se na transferência de atribuições do Estado para pessoas coletivas autónomas e de âmbito territorial; (iii) da subsidiariedade – significa que o exercício público incumbe às autoridades próximas dos cidadãos, e que a eventual atribuição de responsabilidades a terceiros deve ter em conta a amplitude e a natureza da tarefa e as exigências de eficiência técnica e social.
Recorda-se que a legitimação democrática conferida aos órgãos autárquicos não significa total liberdade de atuação, pois a lei é o limite e o fundamento da ação dos governantes locais.
O mérito da atividade levada a cabo pelos autarcas diz respeito unicamente aos seus órgãos, que devem atuar segundo a lei e a ética. A integridade das pessoas é muito valorizada na hora de votar, embora os programas exijam leitura atenta para não cairmos na critica simplista, agora tão em voga.
Sobre a integridade, ocorre-me lembrar, da História da Antiga Grécia, o que sofreu Sócrates sobre o qual Platão escreveu diversos diálogos. Em Apologia refere o pensamento e ação do sábio. Lembremos: a democracia ateniense na época de Sócrates não insistia num nível elevado de qualificação, o que originava, em muitos casos, serem eleitos cidadãos a quem faltavam capacidades de governar de acordo com os interesses da comunidade, fazendo-o, antes, em favorecimento próprio. Denunciou o filósofo tais falhas, o que contribuiu para que alguns se irassem e tentassem desprestigiá-lo e desonra-lo, como aconteceu com Meleto, Anito e Lícon, membros do conselho do governo. Meleto até acusou Sócrates de ateu, rejeitar os deuses e corromper os jovens. Apresentou Sócrates a sua nobre e legítima defesa perante o tribunal, sendo rejeitada pela maioria dos juízes. Foi condenado à morte. Recusou sempre fugir da cadeia em obediência aos ditames da Justiça, ainda que a condenação fosse injustíssima.
Atualmente, o que se afigura oportuno, útil e honroso é termos candidatos ética e tecnicamente preparados, como defendia o grande sábio grego. E sermos capazes de distinguir o trigo do joio.